Aos 67 anos, MC Veia é a nova sensação do funk: 'Era meu sonho'

Peruca blackpower, óculos de Zé Bonitinho e uma camiseta do Chicago Bulls, time de basquete americano da da NBA. O figurino não foi usado em nenhum bloco carnavalesco, mas tornou a vida de
Leda Maria Soares Ferreira uma folia só, desde que o clipe "Eu favelei" foi parar no Youtube.

Aos 67 anos, ela só atende agora como MC Veia. Isso mesmo, a professora aposentada virou funkeira na terceira idade. "Confesso que estou até um pouco cansada, porque são muitos compromissos, muita gente me reconhece. Saio na rua e todo mundo quer autógrafo. Então, decidi já fazer em casa uns papeizinhos com minha assinatura. É a minha letrinha mesmo e saio de casa com eles em um saquinho para distribuir", conta Leda, quase ingênua, do alto de sua experiência, maturidade e humor peculiar.
Com dois funks gravados - além de "Eu favelei", ela tem o "Funk da comcubina", no qual relata uma

traição -, MC Veia se prepara para fazer shows. "Mas ainda não me comprometi com nenhum contratante porque preciso arrumar um empresário do mundo artístico primeiro", planeja ela, que fala e canta com um português bastante correto para os padrões do batidão: "Sabe que nem reparei que os funkeiros falam errado? Gosto tanto da batida que isso passa despercebido".
Nem sempre foi assim. Quando se mudou para Vila Cosmos, comunidade no subúrbio do Rio de Janeiro, a senhorinha se assustava com as caixas de som dos vizinhos no local chamado Favela do Mosquito, que insistiam em tocar funk dia e noite. "Aquele barulho me assustava muito, era uma gritaria, uma coisa. Só que de tanto ouvir acabei gostando. E hoje amo Naldo, Valesca Popozuda e Anitta", jura.
O novo ritmo entrou na vida de Leda como um raio. Em pouco mais de dois anos, ela compôs 17 funks. "Tenho composição para um CD inteiro. Falo do dia a dia na favela, das minhas andanças no trem. Sabia que eu componho no trem? Fico ali em pé mesmo, vou fazendo letra e música e já testo com os passageiros", diz.
O processo de composição também acontece em seu quintal, onde antes mantinha uma escolinha para crianças. Trabalhava em três turnos para sustentar a única filha, que achou meio estranho a mãe virar funkeira a essa altura da vida. "Ela tentou me atrasar um pouco, sabe... Me chamava para ir à praia, tomar uma cervejinha, que eu gosto, queria me distrair para eu desistir da ideia. Mas quando ela viu que eu estava decidida, passou a me dar o maior apoio", relata.
Na verdade, cantar era uma vontade acalentada desde criança. Leda se "apresentou" pela primeira vez aos 7 anos, em um picadeiro. "O circo chegou à minha cidade e fiquei maluca porque eles estavam chamando crianças que sabiam cantar para uma apresentação. Não tinha dinheiro para pagar a entrada e também não podia pedir aos meus pais, senão não me deixariam. Não conversei. Passei por debaixo da lona, sujei meu vestido, mas dei uma espana nele com a mão e cantei duas músicas, uma da Ângela Maria e outra do Nelson Rodrigues. Nossa, adoro os dois! Foi lindo aquela gente me aplaudindo", recorda MC Veia, que, por conta da travessura, levou uma surra da mãe: "Ainda tentei limpar o vestido a tempo dela não ver, mas não teve jeito. Levei cinco varadas, mas nem liguei. Estava feliz demais".
Os tempos de felicidade em Mutum, interior de Minas Gerais, onde nasceu e foi criada, incluía sempre a música. Aos 14 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro e foi morar em Copacabana. Aos 23, casou-se com um militar e foi parar em Bangu, na Zona Oeste, da cidade. Foram 16 anos de matrimônio até Leda ser trocada e ver nascer dali, alguns anos depois, seu primeiro funk. "Não teve briga, não teve nada. Ele simplesmente chegou em casa, disse que queria a separação, sentou na máquina de escrever, bateu ali mesmo um desquite, eu assinei e cada um para o seu lado", explica ela, que, no entanto, continua casada no papel: "Não me divorciei. Deixa como está. Não quis namorar ninguém depois disso e nem me casar de novo. Tinha que criar uma filha e manter nosso sustento".
A falta de um homem para chamar de seu não encuca a funkeira. "Tenho recebido tanto carinho nas ruas que isso me basta. Agora entendo o que é alma de artista. Óbvio que ninguém vive sem dinheiro e, se eu puder ganhar algum com o funk, vai ser ótimo. Mas era meu sonho ser cantora. Por isso digo, não importa a idade. Estou vivendo a idade da felicidade. Se eu viver mais uns vinte anos aí, serão anos só para eu ser feliz".

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