Entre futebol, anúncios e rap, Gabriel o Pensador lança CD mais eletrônico

Gabriel o Pensador nunca ficou tanto tempo sem lançar discos. Sétimo e mais eletrônico CD de sua carreira, "Sem crise" chega às lojas após sete anos sem lançamentos. Antes mais visto em palcos, agora Gabriel tem seu nome associado a propagandas de cerveja e outras marcas,
polêmicas com feira literária, contratos de jogadores de futebol, palestras... E, claro, raps sobre política, cantadas, surfe e música mineira (a nova “Brilho Cego” cita “Fé cega, faca amolada”, de Milton Nascimento com Ronaldo Bastos).
"Sem crise" tem 15 canções, mas pouco da contundência do começo de carreira. O Pensador começou há 20 anos, quando "matou" o então presidente Collor em seu primeiro hit. "Hoje, a gente vê escândalos de todos os tipos, em todas as esferas. Não dá para querer matar todo mundo", justifica, em entrevista por telefone ao G1. Matar, só se for de dançar. "Em algumas faixas, brincamos mais com o eletrônico", conta o rapper, empolgado com o novo parceiro, Fernando Deeplick. O requisitado DJ e produtor assinou remixes de Vanessa da Mata, a guinada dançante de Wanessa e novidades como o Oba Oba Samba House.
G1 - Você começou sua carreira 'matando o presidente' e desde então não 'matou' ninguém. Por quê? Você continua rimando sobre política, mas nunca falou algo tão direto, contundente...
Gabriel o Pensador -
Na época, ele era alvo da imprensa, do povo, dos próprios políticos tão corruptos quanto... O Collor era um alvo personificado da corrupção. Foi uma reação natural traduzir aquilo em música. Hoje, a gente vê escândalos de todos os tipos, em todas as esferas. Não dá para querer matar todo mundo! [risos] Eu amadureci também. "Nunca serão" tem o refrão muito pessimista: "Os políticos corruptos cassados nunca serão". Hoje, no caso do mensalão, vejo uma pontinha de transformação na impunidade que é tão enraizada. A molecada continua alienada... Mas a internet também está aí para quem quer se informar, fazer blog, passeatas. Tem gente botando a mão na massa, em vez de só reclamar. A merda é tão abrangente, que às vezes você perde a esperança. Mas aí vem um procurador, um gari. São histórias que mostram que existe esperança.
G1 - Já ouvi seus raps em propagandas do Sebrae, de marca de cerveja, instituição de ensino, governo, trilha do game 'Fifa 12'. Para qual produto você não rimaria em hipótese nenhuma e por dinheiro nenhum?
Gabriel o Pensador -
Cigarro, eu não faria. Não gosto, faz mal mesmo. As pessoas têm uma visão mais consciente sobre o produto, há proibições na publicidade. Não sou tão radical se tiver um festival que o cigarro apoie. Com publicidade, sou até seletivo. Eles me procuram muito. Prefiro fazer sem cantar, não só para me preservar. Acho que passa credibilidade, se fico só falando. É mais verdadeiro do que cantar jingle. Não sou sempre eu que componho, depende... A letra da latinha que vira copo foi eles que fizeram.
G1 - É a primeira vez que você trabalha com o Deeplick. Ele é uma das razões de este ser o disco mais eletrônico da sua carreira?
Gabriel o Pensador -
O Memê trabalhou comigo antes e é bom quando vem um DJ com uma pegada diferente. O Deep é muito empolgado com músicas brasileira. Quando eu cheguei no Deep, estava com o disco em andamento. O André Gomes, que é músico, começou o disco comigo e estávamos na busca por toques de música brasileira. O Deeplick deu uma trabalhada nas músicas já feitas. Ele gosta de repetir, usar loops. Pegou algumas canções e remixou, mudou, acrescentou um beat. E fez metade do disco do zero, só comigo. Em algumas faixas, brincamos mais com o eletrônico.
G1 - O CD tem  Rogério Flausino, Carlinhos Brown, Nando Reis, Jorge Ben Jor, Cone Crew Diretoria, Afrorreggae. Como foi a escolha?
Gabriel o Pensador -
O Afroreggae eu conheço há muito tempo, já cantei no palco com eles, mas nunca tinha gravado em disco. O Ben Jor foi uma indicação de uma música sobre surfe, que um amigo me passou. Estava com saudade de meu lado surfista. O Carlinhos Brown é um parceiro com quem cruzei várias vezes. Cone Crew veio de última hora, por meio de um evento chamado rimadores anônimos. É uma batalha de rap com novos talentos. Eu sempre admirei muito o Nando. Ele tem um talento de poeta e de interpretação. Rogério é a cara do disco. Foi gravado em vários lugares do Brasil. Antigamente, não rolava de gravar na estrada. Fui ao estúdio do Jota, com o Marcelinho da Lua. E trouxemos um pouco da onda da brasilidade. Queria fazer uma reverência à MPB mineira.
G1 - De tudo o que você faz, o que te dá mais prazer e o que te dá mais dinheiro?
Gabriel o Pensador -
Não tem muito como escolher hoje. Sou como aquele "chinesinho dos pratos", tenho que manter as coisas girando. O futebol é uma coisa que veio como desdobramento da minha ONG de hip hop. Foi pelo prazer de ver a garotada fora da rua. Tem um lado social muito verdadeiro... Tem garoto que ganha salário mínimo, porque conseguiu ser contratado pelo Caxias do Sul [clube gaúcho].
G1 - Você tem um clube no qual esses jovens jogadores são registrados? Se esse garoto do Caxias for contratado pelo Milan, você ganha algo?
Gabriel o Pensador -
Eles podem seguir o próprio caminho, ou podem ter acompanhamento nosso como representantes.
G1 - Mas o passe dos jogadores é seu?
Gabriel o Pensador -
É uma opção deles também. Ainda não tenho um clube, a gente só indica para os clubes. Hoje a gente compete no Estadual pelo Barcelona do Rio. Aí, o cara do Duquecaxiense falou: "Gabriel está no futebol? Vê se ele não quer fazer o juvenil aqui pra mim". A coisa foi crescendo, e as pessoas brincando: "Pô, Gabriel o Pensador... Vai fazer música, não vai fazer futebol direito". Queria fazer bem feito. Mas vamos falar do disco, se quiser, marco contigo um papo só para falar de futebol.
G1 - Tudo bem, claro... Como você faz para ter ideias e não repeti-las? 'Rap do feio' e 'Brazuca' são parecidas: dois irmãos diferentes um do outro, com caminhos diferentes.
Gabriel o Pensador -
Nunca me vi nesse dilema. No momento de composição, eu até lembro de juntar trechos de letras sobre política e transformar em uma. Mas não sou de fazer uma letra e lembrar de uma antiga, ter esse grilo... É até bom voltar em alguma questão.
G1 - Como você vê a divisão da importância do refrão (às vezes com trechos de outras canções) e da parte das rimas-rap?
Gabriel o Pensador -
Sinto isso no palco, cara. Gosto desse contraste. Um bom exemplo disso é "Palavras repetidas", que vem com uma letra tensa, de violência e tristeza... O cara quer sonhar e está cheio de bala perdida em volta. Daí vem o refrão que na letra contradiz tudo aquilo. O choque vem porque tem o Renato Russo com melodia, com a harmonia. Gosto muito disso. Tem a da "Maresia" ("Cachimbo da paz")... Às vezes até uma guitarrinha ajuda, como em "Lavagem cerebral" [cantarola o refrão instrumental].

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